domingo, 27 de março de 2011

Guéri - Guéri outra vez...

Era uma tarde ensolarada. Resolvi então te chamar para uma volta a pé na praça. Sim, a praça seria o melhor lugar que teria para conversarmos. Haviam bancos para nos sentarmos, mas também havia muita grama e muita sombra de árvore. A brisa era suave e nos tocava a pele com leveza. Haviam pipoqueiros espalhados, crianças correndo e um circo sendo armado.
E eu, tão viciado em coisas tão mais complexas, me sentia um peixe fora d'água com tanta normalidade e simplicidade, haviam anos que não fazíamos algo parecido. Enquanto conversávamos avistei um ser irreverente vestindo-se, colocando mais roupas em cima das suas roupas e pintando o rosto sem nenhuma lógica.
Enquanto se iniciava uma discussão por sua parte, eu apenas sacudia a cabeça concordando com tudo o que você dizia mesmo sem saber do que se tratava. Estava hipnotizado.
Era uma senhorita de sorriso solto, que esbanjava alegria, irradiava calor. Parecia que eu já havia visto aquela cena anteriormente.
Parecia estar se fantasiando. Peguei-me em certos momentos, respirando fundo, e lá no fundo escutava as suas reclamações. Era algo que eu não mais queria para mim. Brigas, reclamações.
Achei que te levando a um lugar onde você vivera a maior parte da sua adolescência, um lugar onde vivemos momentos inesquecíveis, te traria novamente a tona. Você voltaria a ser, ao menos por aqueles instantes, aquela mulher simples e que sorria a toa novamente.

Enganei-me. Mas ao invés da vida te trazer novamente para mim, ela me mostrou que como pessoas podem mudar, os sentimentos também mudam!
Olhei nos seus olhos e pude ver mágoas. De mim só saíram quatro palavras direcionadas a ti com um beijo na testa acompanhando-as. - "Por favor, me perdoa!" - Levantei-me e te deixei a sós no pé daquela árvore.

Andei em direção aquela senhorita sem noção alguma de moda e apenas sorria.
Percebi que ela também me olhou e soltou um sorriso singelo de canto de boca além de enviar-me um olhar disfarçado meio tímido.
Acompanhei toda a apresentação daquela pequena palhacinha. Em alguns instantes eu até conseguia sorrir com as palhaçadas dela, mas voltava logo a encará-la. Já no fim da apresentação ela veio e me pegou pelo braço, eu teria que ser um dos seus assistentes em um número.
Ela explicou que no número eu teria que ficar parado com os braços abertos e os olhos fechados, então o fiz.
Logo pude reparar que todos estavam rindo demais, mas não acontecia nada comigo, ninguém encostava em mim. Ela não me dizia o que fazer, mas fiz questão de obedecê-la. Você lá ao longe me avistava fazendo papel de tolo e não esbanjava reação, ao menos até perceber que a palhacinha estava correndo na sua direção.
Em minha contagem mental já haviam se passado uns vinte minutos, mas é claro que ninguém em sã consciência ficaria vinte minutos parado de braços abertos, e mais óbvio ainda seria que as pessoas ao redor não ficariam tanto tempo rindo sem parar.
Demorara uma eternidade na minha ótica, mas logo senti uma mão contornando a minha cintura. Senti outra mão fechando os meus braços ao redor do ombro de alguém, como se estivesse abraçando esse alguém ainda desconhecido pra mim.
No meu ouvido pude escutar baixinho uma frase que me lembraria de um momento importantíssimo da minha vida. O momento onde eu descobri que amar a arte e amar você seriam coisas bem comuns e a estrada certa a seguir na minha vida.
"Tá rolando guéri-guéri ¹ na Bravos."
Num rádio portátil começou uma canção a qual conhecíamos bem. - Close your eyes and i'll kiss you, tomorrow i'll miss, remember i'll always be true... ² - Abri os olhos lentamente, e lá estava você, com os olhos cheios de lágrimas, abraçada comigo novamente.
Havia tempo em que não nos encostávamos daquela forma, e que não sentia tamanha emoção em nós.
Te abracei forte, chorei, respirei fundo e disse: - "Eu sabia que você voltaria, não ia te abandonar, eu precisava te mostrar quem você era. Eu preciso de você assim, aqui, comigo sempre! Não foge mais! Amo você."
Você respirava fundo, me abraçava forte, chorava de soluçar. Nossa amiga palhacinha estava sentada em meio a platéia admirando o momento e todos ao redor aplaudiam sem parar.
Segurei a tua mão, com a firmeza com que um pai segura sua filha, para te passar confiança e encostei os meus lábios novamente nos seus.
- "Precisava sentir o teu gosto novamente. Obrigado por voltar!"
Um beijo foi dado e para coroar, ao fundo, aquele pôr do sol que sempre nos acompanhou.
E no meu ouvido...silêncio!


****¹ - Guéri - guéri - Gíria usada por alguns amigos de Salvador que significa algo relacionado a paquera, conquista, a depender do seu modo de uso.

****² - All my loving - Música da banda The Beatles.

3 comentários:

  1. Senti arrepios, meu coração acelerou e respirei fundo para não soltar uma lágrima ao final desse texto. (e é preciso muito mesmo para me fazer chorar). A música que eu escutava segundo atrás pareceu fazer parte do texto... Outro dia eu lia algo sobre literatura e uma frase perguntava se era possível o amor dos personagens existir fora das páginas de um livro ou a tela de um filme. Senti-lo eu sei que posso, quando leio textos tipo esse, eu sei que posso, mas senti-lo por outra pessoa... Ficam minhas dúvidas.

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  2. - Querido Flávio obrigado pelo carinho e concordo plenamente sobre a música 'Times Like These' que também me fez lembrar de coisas vividas e que agora sigo em frente com elas guardadas.
    É sempre um prazer ver que você passou lá no meu espaço é sempre bem-vindo :D

    Adorei o post aqui de muito bom gosto.Parabéns pelo espaço e tenha uma ótima semana.

    Beijos!

    Camila Feitosa.

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  3. Porque o erro consiste em acharmos que basta conquistar. Mas não, é necessário reconquistar, é necessário manter, é necessário continuar a ser, a ter, a ver, a amar, a sentir... Texto muito lindo, Flávio, mas pelo pouco que te conheço, sei que por detrás dessas palavras estão guardados sentimentos bem mais fortes. Beijão, e fique bem.

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