domingo, 6 de janeiro de 2013

Loucos Fiéis

O jogo começaria no dia doze pela manhã, porém lá pelas tantas da noite do dia onze já haviam gritos ensurdecedores por todos os cantos da cidade, mal imaginariam os "seres normais", cidadãos comuns como eu, que esses gritos somente parariam lá pelo fim do mês.
E os cânticos que não saem dos ouvidos, depois das memórias, e assim foi rendendo noite adentro.
Mal amanheceu o dia e lá estavam bandeiras passantes nas calçadas, os legítimos donos das ruas.

No apito inicial era clara a tensão em alguns olhares, clara também a fé de cada um presente.
Gritos, palmas, vaias, tudo fazia parte da coreografada melodia.
Um misto de ansiedade com desespero pairava no ar, em muitos momentos notava-se isso, porém sempre existia uma quebra de silêncio, sempre um incentivo, como se do outro lado da tela desse para escutar o que de cá gritavam todos.
A sintonia era tão grande que, o que se cantava na arquibancada do outro lado do mundo, se ouvia aqui, sendo cantado no mesmo tom, no mesmo ritmo. Um coral que quebra a barreira da distância.

Algo parecido com o sentimento pelo clube.
Tatuagens mostram tamanho fascínio, tamanha adoração.
As lágrimas que rolam por uma simples (complexa) defesa do goleiro ou por uma bola rebatida na defesa.
Até quem não está aqui para torcer termina por se contagiar e no íntimo acaba por torcer também.
Volta, respira...

Uns com figas incansáveis e outros com batimentos cardíacos incontroláveis, enquanto outros apenas com olhos fixos sem ao menos dar a eles o direito de piscarem, cada um a sua maneira, cada um ao seu modo louco de se mostrar fiel.
E de repente o gol. Era apenas o primeiro gol, o único do primeiro jogo.
O primeiro a elevar ainda mais a confiança de cada um desses insanos.
No fim, no último apito. Suspiros, alívio.
Gritos, lágrimas, sorrisos, abraços...

Foi assim durante os quatro dias que se seguiram.
Lembranças a cada instante. Incertezas? Medo?
Nem um pouco. Isso ficou por conta de quem não fazia parte daquele hospício.
Enfim soou o apito inicial do fim.
Soaram as vaias, os apitos, os fogos.
Suaram as mãos, os rostos, os olhos.

Gols?
Sim. Alguns quase gols.
Todos evitados pelo monstro.

Enquanto a bola insistia em ir em direção as pernas, as mãos, ao corpo do goleiro.
Do lado de cá do mundo as mãos iam em direção uma a outra, depois em direção a cabeça, os olhos saltavam e, vez ou outra, o cântico explodia, porém por poucos e raros instantes.

Pois logo voltava a rotina...

Aspira, segura a respiração, engole seco, arregala os olhos, suspira, respira fundo, grita, canta, bate palmas.

Volta tudo ao começo novamente.
A dança dos desvairados.
"Uhhh... Vai vai... Sai zica... Chuta chuta... Pega pega... Tira tira..."
Aplausos.

O último apito antes do fim surge.
O tempo parece passar cada vez menos.
Os nós nas gargantas de cada um parecem aumentar cada vez mais.
Até que em um único e breve momento, os brilhos nos olhos, as lágrimas escorrem, os gritos se soltam mais altos.

Eis que surge entre um bando de loucos, um guerreiro capaz de fazer explodir o mundo inteiro de alegria.
O mundo parou.
Por alguns segundos, deixava de ser mundo e se tornara hospício, um hospício alvinegro.
A tensão perdurou firme e forte até o mais esperado último ato de um juiz.
As unhas se acabaram, os dedos apertados por figas não queriam mais desgrudar, o peito que antes não parava de saltitar agora já não mais tinha reação.

O dia em que o mundo parou, o dia em que os hospícios abriram as suas portas, o dia em que os fiéis carimbaram o selo de loucos.

Loucos fiéis.

Um comentário:

  1. faz muito tempo que não venho para o seu blog. Esse texto é lindo, eu mesma que estava torcendo com todas as minhas forças para que o corinthians perdesse no fatídico dia, me emocionei agora.
    Acho que é uma coisa do brasileiro se envolver tanto com algo banal, transformando em uma grande fonte de amizade, alegria, e, por que não? Até algumas risadas. Seria bom se o futebol fosse apenas como você descreveu ai, toda essa amizade, apenas alegria.
    Saudades das suas lindas palavras, um beijo ^^

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