segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Sem amanhã.

Ele tinha um metro e sessenta e pouco, não chegava nem a um metro e setenta de altura. Não tinha abdômen dividido e muito menos músculos que saltavam corpo afora.
Nunca se destacou em nada o que fazia, pois o que ele gostava de fazer e fazia muito bem, sempre manteve em segredo. Fora essa atividade, um tanto estranha aos olhos dos outros garotos da escola, nas outras ele era apenas mais um.
Certo início de ano, eis que surge um sorriso cativante, olhos que brilhavam ao longe e que faziam os olhos dele brilhar junto.
Aproximaram-se.
Tornaram-se ótimos amigos.
O tempo passara.
Ela namorava o cara mais bonito da escola, atleta, com o carro do ano.
Ele não saia com ninguém e, quando saia, era por mera distração, não havia como se apegar.
Um amigo em comum insistiu em dizer a ele que ela gostava de luxo e se preocupava com aparência. Ele tinha certeza que não.
Certa vez, ela chegara tristonha à escola, sentou-se ao seu lado e se desmanchou em lágrimas.
Ele, como sempre fez ao longo dos anos de amizade, emprestou o seu ombro, dedicou um pouco mais do seu tempo e se dispôs a entender o que estava acontecendo.
Conversaram, nesse dia, mais do que o comum.
Encontraram-se por volta de seis e meia da manhã e só saíram de perto um do outro lá para as sete da noite.
No fim do dia, antes de se despedirem, após entender que as lágrimas haviam sido pelo término da relação, ele olhou-a bem no fundo dos olhos e de uma única vez, sem usar pontos, vírgulas ou qualquer outra pontuação que pudesse interromper o que ele tanto queria falar, derrubou sobre ela um turbilhão de sentimentos e emoções.
Disse o que sentiu desde o primeiro sorriso, mesmo que não tenha sido para ele.
Abraçou-a forte no fim e disse:
"Não te magoarei nunca. Estarei sempre aqui. Sempre por perto. Sempre tentando te arrancar ao menos um sorriso diário."
Ela chorou, mas no fim, sorriu.
Ela fora embora cheia de dúvidas, cheia de incertezas. Dois anos e meio de amizade que se tornaram puro mistério após tantas confissões.
Dormiram, ao menos tentaram.
Ela não pregara os olhos a noite inteira e, já no início da manhã, decidida a tirar algumas dúvidas com ele, correu para a escola.
Ele, sonâmbulo ao longo da madrugada, foi a beira-mar tocar violão e, quando se deu conta, o sol começara a brilhar no horizonte, correu para a escola sabendo que iria se atrasar.
O baile de formatura estava próximo.
"Talvez ela aceite vir comigo!" - Pensava ele.
Se encontraram na entrada da escola, ela o pegou pelo braço e o arrastou até um canto escondido de todos os olhos para que pudesse conversar e contar alguns segredos.
Disse-lhe que tinha medo de ser novamente magoada e que já vivera situações parecidas antes.
Também disse que não queria magoá-lo e que não queria perder o contato com ele pois gostava muito de tê-lo como amigo.
Ele a olhou nos olhos e repetiu o que já havia dito no dia anterior. No fim da repetição incluiu a pergunta.
"Quer ir ao baile comigo?"
Ela pensou e negou o pedido.
Assumiu com os olhos e com essa atitude ter medo do que poderia acontecer.
Se separaram ao longo da manhã.
Ela foi embora sem nem dizer adeus. Correu. Entrou no carro do ex-namorado e pegou uma carona.
Ele? Bom! Ele chorou!
Decidiu caminhar até em casa, um percurso de mais ou menos quarenta e poucos minutos.
Enquanto caminhava, notou uma correria e tentou se proteger.
Tarde demais.
Fora alvejado por uma bala "perdida" que encontrara o seu corpo.
Pessoas o socorrem. A família corre. Hospital, UTI, ...
Ela mais uma vez, após ter trocado uns dois ou três beijos, sai do carro do ex-namorado e diz que tudo não passou de um erro, que eles não poderiam mais repetir isso.
Seu pensamento já não estava mais naquela relação. Ela já havia sido contaminada por outro sentimento.
Ele na mesa de cirurgia. Ela com o pensamento nele.
No dia seguinte ela chega na escola e o procura por todos os corredores. Pergunta a todos os que o conheciam. Acabou notando que pouquíssimos sabiam quem era ele.
Recorreu a direção e foi surpreendida com a mãe dele na escola.
Ela carregava um bilhete na mão.
Quando reconheceu-a, entregou o tal bilhete com os olhos cheios de lágrimas.
Ela pegou o bilhete e o leu:
"Não queria te magoar. Me perdoa. Adoro você!".
Ele faleceu.

2 comentários:

  1. A incerteza dói. O "e se" assusta. O conhecido é reconfortante. Como não seria se a menina tivesse acompanhado o menino desde o princípio? Não há como saber mesmo se ele nunca magoaria ela, ou o contrário. Enfim estou me estendendo, lindo conto ;)

    ResponderExcluir
  2. Ainda depois de tanto tempo sem vir aqui, nem mesmo falar contigo, continua me emocionando.
    Um beijo.

    ResponderExcluir

PAPOS E SUPAPOS

Mi Papos y Su papos!

Popular Posts