domingo, 5 de janeiro de 2014

Apenas mais uma foto.

Distante do mundo posso observar o nascer de mais um dia.
O tom alaranjado em um canto do céu faz um contraste perfeito com o negro do outro lado.
E, em um passe de mágica, o clarear do negro ao azul, passando por vários estágios.
Assim tem sido o dia a dia.
Caminho em linha reta às quatro e pouca da manhã cerca de cem metros até a areia, sento-me e espero.
Muitos que passam cedo para ir ao trabalho e outros tantos voltando das festas que ocorrem na localidade se imaginam o porque de, ao invés de eu olhar o céu, sento-me na areia com os olhos fechados.
Explico a muitos deles diariamente.
"Não existe sensação mais gostosa do que estar no breu e, de repente, sentir um calor te tocar a pele suavemente. Vocês deveriam experimentar essa sensação."
Alguns dão risada.
Outros perguntam que festa eu estava.
Outros apenas tocam o meu ombro e vão embora.
Mas ontem não foi assim.
Ontem em especial uma pessoa tocou o meu ombro e pude sentir a presença dela ao meu lado até o momento de o calor do sol nos tocar.
Ainda de olhos fechados, senti surpreso que a mão que estava em meu ombro descera ao encontro da minha mão.
Parecia mágica.
Primeiro o toque daquela pele macia, um toque suave no ombro com aquela voz doce dizendo-me que nesse amanhecer iria me acompanhar.
Depois aquele abraço inesperado juntamente com o calor do sol.
O rosto dela sobre o meu ombro encostando delicadamente sua bochecha à minha.
Uma sensação indescritível.
Se a melhor sensação do mundo era sentir o calor do sol clareando aquele breu o qual eu me encontrava, a melhor passou a ser a sensação do seu calor junto ao meu somado ao calor do sol.
Recomendo essa sensação a todos.
Ficamos ali, por alguns minutos ainda de olhos fechados. Dedos se "carinhando" e respirações simultâneas.
Parecíamos uma orquestra sinfônica das mais afinadas com a natureza.
Lá ao longe o som das marolas no mar. Com uma pequena concentração maior, os primeiros canários a cantar.
E foi assim aquele amanhecer.
Num momento ainda mais mágico viramos nossos rostos, um de frente ao outro, e ainda de olhos fechados deixamos os nossos lábios se tocarem.
Loucura não é?
Não a conhecia. Nunca a tinha visto na minha vida.
As únicas coisas que sabia a seu respeito até aquele beijo eram sua pele macia, seu rosto lisinho, pude sentir seus cabelos voando e por vezes encostando em meu rosto, sabia também que a sua voz era doce, mas, não havia mais nada, não tinha como saber.
Mas deixei os meus lábios me guiarem.
Encontrei lábios finos, beijos delicados.
E quando paramos de nos beijarmos, fiz um pedido: "Já que estou em desvantagem, já que você me viu e eu não te vi, permaneça de olhos fechados, deixa eu ver você sem que me veja."
Ela balançou a cabeça confirmando que faria isso.
Então com as pontas dos meus dedos percorri todo o rosto dela, pude sentir seus cílios enormes, seu nariz empinado, seus cabelos ondulados.
Nossos toques eram tão singelos que eu não precisava abrir os olhos ver quem estava a minha frente.
Então ela me perguntou: "Já posso abrir os meus olhos!"
Confirmei balançando a cabeça tal qual ela fez.
Então a surpresa: "Mas você ainda está de olhos fechados!" - Disse-me ela.
"Pois bem, ainda estou, e permanecerei assim até a eternidade. Tinha a minha visão normal até semanas atrás, quando, de uma hora para a outra, a perdi. Fui a diversos médicos e ainda estou realizando alguns exames. Coisas da vida sabe? Tive amores, tive uma carreira, tive uma vida maravilhosa até então. No dia que eu acordei e não conseguia mais enxergar nada todos acharam que eu iria desistir da vida, todos imaginaram que eu morreria de desgosto. Eu era fotógrafo, minha visão era a minha forma de criar a minha arte. Mas não me abalei. Nunca precisei dos olhos abertos para criar a minha arte. Sempre a inventei na minha mente e depois a colocava em prática e, sei que ainda sou capaz de fazer isso."
Nesse momento senti, no rosto daquela jovem, um líquido escorrendo.
"Acredito que as coisas aconteçam no momento certo. Sempre!" Disse a ela.
Pude sentir um sorriso no rosto dela, mesmo em meio a tantas lágrimas.
"Sabe, perdi meu pai a alguns meses, ele era diabético, com o tempo a doença foi deixando sequelas e uma delas, foi a cegueira. Meu pai não me reconhecia mais. E mesmo assim, até os últimos dias dele, estive ao seu lado. Na última noite junto com ele, no último jantar com meu pai ao meu lado ele me disse: - Filha, as coisas acontecem no momento certo. Sei que por vezes acabei te machucando por não te reconhecer, mas quando você me dizia que era você entrando no quarto, meu peito se enchia de alegria, te amarei eternamente e incondicionalmente. Obrigado por todo bem que você sempre me fez, agora me prometa, você vai viver a sua vida da mesma forma que eu vivi a minha, intensamente! - E eu prometi." Contou-me ela.
Nesse momento as lágrimas delas já estavam misturadas às minhas tal qual os sorrisos. E ela continuou.
"Tenho que te confessar, já é a terceira noite que passo por você e sempre comentei com as minhas amigas que ainda iria parar pra falar! Elas estão todas sentadas lá atrás me esperando. Algumas estão nos olhando agora sem entender o que está acontecendo. E eu preciso te admitir, em meio as minhas férias, você, esse momento, foi o que melhor poderia ter acontecido. Obrigado mesmo. Talvez você seja um anjo e eu nunca mais te veja. Mas espero que possamos nos ver outra vez."
Foi quando encostei o dedo indicador nos lábios dela e agradeci dizendo.
"Obrigado a você por parar, por estar e por sempre permanecer aqui."
Trouxe a mão dela até o meu peito.
"Já que fez a promessa ao teu pai, prometa-me, viva a sua vida intensamente!"
Chorando ela confirmou com a cabeça.
Um último beijo foi dado, um último abraço apertado.
Um último toque foi tocado. A última despedida.
Mais uma foto foi registrada!

Um comentário:

  1. Estava eu pensando esses dias em visitar seu blog, quando vejo aquele seu comentário no meu. Me encheu de alegria saber que depois de todo esse tempo você ainda lembre de meus textos! E ao voltar aqui apenas me encanto com suas palavras e sentimentos. Lindo texto, não sei se é biográfico mas certamente me comoveu. Feliz ano novo!

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