domingo, 6 de novembro de 2011

Soldado da paz

(Soldado O'Donnel conhecido como "Soldado da Paz" sendo cumprimentado por crianças.)

- O que te dá força para continuar?
Sorrisos me conquistaram.
Sentia no olhar inocente daquelas crianças todo o carinho que eu precisava naquele momento.
Não aguentava mais toda aquela pressão, todos os momentos de conflitos tensos.
Afinal eram já cinco anos de ocupação daqueles territórios cheios de ódio e guerras.
A vontade era de jogar a arma para cima, largar a farda e sair correndo, brincando, com elas.

- Você tem família, filhos?
Sim, tenho. Lembro tanto do meu filho que deixei em casa com a minha esposa. Que vontade de abraçá-lo novamente.
Nem imagino mais como ele está. Quando sai de casa, convocado para essa operação, ele tinha apenas quinze dias de nascido e, hoje, provavelmente, ele já deve estar do tamanho de uma dessas crianças.
Não recebo correspondência da minha esposa há alguns anos. Ela não concordara com o meu ideal de servir o meu país e se afastou de mim. Não tivemos nem tempo de nos divorciarmos, nem de eu tentar explicar à ela que eu queria garantir a felicidade, não só da minha família, mas também de tantas outras.
E é nessas horas, onde essas crianças aparecem para me agradecer, que me esqueço de toda a dor de não rever a minha família.

- E como você tem reagido ao apoio que vem recebendo dos moradores locais? Você é a favor da guerra?
Torna-se satisfatório para mim continuar com essa luta contra toda a violência que foi imposta nesse lugar.
Concordo que muito do que acontece é por influência dos conflitos políticos existentes entre todos os países envolvidos, e não concordo com a guerra, por isso desde que cheguei não disparei um tiro sequer.
Tento sempre que chego nos locais, conversar, mostrar o quanto é valiosa a palavra, o quanto vale o amor entre os povos.
Tem dado certo até o momento. Tenho convivido bem com as pessoas das áreas de conflitos em que chego. Eles nos respeitam e nós os respeitamos.
Não prometemos nada, não garantimos nada, apenas damos à eles o que todos nós queremos para nós mesmos, esperança de uma vida melhor.

- Você havia me contado que seu batalhão apelidou esse paredão, pode nos contar sobre isso?
Sim, claro. Nesse muro vocês não vêem nenhuma marca de tiro. Aqui deveria ser um paredão de fuzilamento, porém o apelidamos de paredão de acolhimento.Como chegamos com o intuito de promover a paz e não de matar, esse paredão fica intacto e é o nosso ponto principal de descanso, nos recostamos nele ao longo do dia umas vinte vezes. Nele sempre que descansamos aparecem pessoas para nos trazer palavras de apoio e conforto.

- Então, esse espaço agora é para você mandar um recado à alguém, falar o que você tiver vontade de falar, desde já agradeço por tudo o que você e o seu batalhão tem feito por todos e desejo muita sorte para tudo o que vier no futuro. Nesses momentos é que sentimos que ainda há esperanças para a vida. Muito obrigado por nos conceder esse depoimento, fique a vontade para falar o que quiser.
Nossa, eu que fico muito agradecido por todo o apoio que você e a sua equipe jornalística tem nos dado, sempre nos colocando em contato com as pessoas que amamos, seja por rádio, telefone, internet e até mesmo por cartas. O apoio de vocês é sem dúvida um dos fatores mais fortes para continuarmos tentando levar paz à todos.
Enviar um recado à alguém em especial? Eu não o farei. Mandarei um recado ao mundo, à todos que lerem essa entrevista.

Caros amigos, leitores, peço de coração ajuda à vocês. Sim, ajuda! Nos ajudem a promover a paz, o amor. Deem valor às pessoas, à vida. Deem valor à natureza.
Lutem com palavras para levar a paz à todos os cantos do mundo. E por favor, não usem armas, não atirem, não matem.

Isso só trás mais dor e sofrimento e, por experiência, são esses sentimentos que trazem consigo a raiva, o ódio. Enquanto isso ainda existir, ainda existirão guerras, conflitos, brigas.
Então, por favor, peço à todos vocês, promovam a paz e o amor! Hoje entendo o real motivo dessa nossa vinda até aqui.

- Essa entrevista nos foi concedida dois dias atrás, antes de um atentado que o grupo da paz sofreu. O Soldado O'Donnel faleceu no local. Foi velado por centenas de moradores da região que o chamavam de Soldado da Paz. Depois que terminamos a entrevista, o soldado retirou uma de suas medalhas recebida com mérito e me entregou solicitando que eu a enviasse ao seu filho e à sua esposa, com ela segue um bilhete que dizia: - "Meu amor, agradeço todos os dias da minha vida por ter tido a oportunidade de ter conhecido você e mais ainda por nossos momentos e o nosso amor terem gerado o Michael. Me perdoe por não estar presente todos esses anos. Espero que esteja vivendo a sua vida como combinamos, sem ressentimentos. Estou lutando muito para essa distância entre nós terminar logo, caso aconteça algo, não se esqueça que eu te amei cada momento da minha vida desde a primeira troca de olhares entre nós. Com muito amor, Joseph." - Depois dessa história, retiro-me. Estou voltando para casa com as poucas recordações boas que me restaram daqui. Essa foto que publico foi o último contato que tive com o soldado O'Donnel e é dessa imagem que irei me lembrar eternamente.

Descansem em paz "soldado da paz" e todo o seu batalhão.

(Catão, F. - Papos e Supapos - 2011, November 6)


Um comentário:

  1. Que a paz possa reinar no nosso meio e que cada de um nós se vista de Soldado da Paz e ajude a proliferar a esperança onde já não existe.
    Fiquei emocionada com o texto.
    Parabens!
    :*

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