sexta-feira, 22 de abril de 2011

Viver.

Eu sabia que estávamos chegando ao fim, que aquele seria o último natal juntos.
A dor era infinita ao amanhecer, podia sentir o nó na garganta a cada respirar e as travas nos olhos para não deixarem rolar as lágrimas.
Foi quando recebi a notícia de que antes de ir à sala receber os convidados, você gostaria de encontrar-se comigo nos seus aposentos. Confesso que fiquei profundamente nervoso, tão mais nervoso do que emocionado, mas fui ao teu encontro.
Teu quarto era um local sagrado para mim. Sempre que havia um aperto no peito, era à ele quem eu recorria, com a sua presença ou não eu sempre iria chorar meus desabafos naquela poltrona a qual você gostava de sentar-se.
Ela ficava frente a uma ampla janela com vista para o quintal, eu nunca havia sentado naquela poltrona, sempre puxava um banquinho que já parecia ter o meu nome gravado, de tanto que o utilizei. Sentava-me nele para que conversássemos, não esqueço, apenas sentava, deitava a minha cabeça no teu colo e escutava as suas histórias.
E naquela manhã me convidara a ir aos seus aposentos repetir pela última vez, talvez, esse gesto. Então apressei-me em ir e ao chegar uma enorme surpresa. Você encontrava-se de pé me oferecendo a poltrona. Obedecendo às suas ordens, sentei-me, você puxou o banquinho e sentou-se ao meu lado. Debruçou-se sobre o meu colo e conversamos, por horas, papéis invertidos.
Ao invés de contar-me o teu passado, eu falava sobre o meu futuro. Ríamos desvairadamente quando contava algo sem nexo que eu gostaria de fazer e que você concordava no ato.
Foram algumas horas de conversar, apenas nós.
Ao perceber que já estava se cansando de ficar sentada, te dei os braços como apoio para levantar-se.
Fui ao encontro dos nossos convidados na sala e aguardava ansiosamente pela sua aparição, pois mesmo nos últimos dias, costumava ser radiante!
Sem esperar, iniciara-se ao fundo uma das canções prediletas por nós, uma daquelas sinfonias de um famoso músico, a nona para ser mais exato. Foi quando surgiu à porta aquele semblante alegre e lindo o qual me acostumara depois de tantos anos.
Levantei-me da minha cadeira e fui ao seu encontro, te recebi com um beijo na testa e te convidei risonho para uma última dança. Claro que mais cautelosamente dessa vez, pois sabia da dificuldade que existia após anos de vida.
Todos pararam de conversar por alguns minutos e nos observaram, éramos cúmplices, amigos e distribuidores de sorrisos e amor um com o outro.
E por aqueles breves minutos tornamos o natal de todos que nos cercavam o melhor natal de todos os anos. 
Hoje, quase um ano depois daquela data, sento-me na mesma poltrona e lembro-me com alegria das suas últimas palavras naquela nossa conversa.
- "Viva, seja feliz! Sorria sempre. Por maiores que possam ser as adversidades que venham a surgir, apenas sorria e dê uma banana à cada uma delas! Você é sorriso, não perca a sua identidade nunca! Eu amo você meu neto querido!"
Foi o que eu resolvi fazer, hoje, quase um ano depois daquele dia, despeço-me da casa, dos amigos que cá estão, os mesmos que estavam naquele dia.
Coloquei a minha melhor vestimenta, liguei a vitrola com aquela mesma canção e preparo-me para sair dos aposentos agora.
Mas não poderia sair sem aqui sentar-me novamente e te contar as últimas novidades.
- "Vó, eu consegui! Estou saindo de cabeça erguida, sorriso na face e muito, muito orgulho de quem me tornei. Distribuo sorrisos, escrevo minhas poesias, assim como você me ensinou. E não mais me preocupo com as adversidades da vida, ontem por exemplo, no fim do expediente, entrei na sala do meu chefe e dei à ele uma banana de presente. Estou indo embora, viajar, fotografar, escrever e acima de tudo, viver! Sorrindo! Eu te amo. Obrigado por tudo o que me ensinou! Como prometi, te enviarei às minhas cartas contando sobre o meu futuro, então, cá está a primeira e adivinha, sabe o que irei fazer amanhã? Viver!"

Nenhum comentário:

Postar um comentário

PAPOS E SUPAPOS

Mi Papos y Su papos!

Popular Posts